O espelho me fez perceber. Estava ali, prova irrefutável: um fio branco de cabelo denunciava o que vinha passando, afinal, e negando por tanto tempo. Não havia aparecido uma ruga sequer (talvez ainda não estivessem prontas, ainda, não sei como), mas um fio branco é inegável.
Fiquei assombrado por um tempo, olhando e pensando. Fazer a barba , escovar os dentes, mas sem um pingo de atenção. Fisicamente, aqueles momentos nunca existiram. Só sei o que se passou pela fatigante rotina, incessante já há tanto tempo.
Andei um aparentemente longo caminho até a cozinha. O café não estava pronto, nunca estaria. Não havia quem o fizesse, nunca houve, desde meus quinze anos (já tardios, se me perguntarem). Não morava com parente algum. Não tinha família, nunca tinha tido – não por não tentar, isso o garanto – e não tinha faxineira, cozinheiro ou qualquer outra pessoa que trabalhasse antes de já avançada a tarde. Dons domésticos, jamais os tive de qualquer espécie: comi sempre fora, ou a comida que me prepararam; a casa, todo o tempo, se ficasse sem alguém para limpá-la e organizá-la, estaria então em ruínas. Vivi a vida toda longe, pensando em qualquer coisa irreal, sonhando com algo à frente e que jamais chegava, fosse por ser simplesmente inalcançável, fosse por contar com vontades de outros que jamais se mostraram presentes ou mesmo, em qualquer momento, possíveis. Sempre fui um perfeito estrategista e um perfeito idiota. Sempre soube que caminho seguir, claramente, mas nunca o fiz, por razões pessoais ou por interferências alheias (aqui, o café já estava frio). Aliás, interferências jamais me faltaram. Superei grande parte delas, mas não todas. As principais e as que eu precisava, de fato, superar, jamais pude. Jamais amei de forma correspondida. Jamais chorei por isso, também. Aliás, não havia vertido uma lágrima sequer por anos a fio, mais do que poderia me lembrar (talvez a última que um travesseiro meu tenha conhecido fosse ainda de adolescente). Ao menos até então, nada necessitava de sentido: tudo se mantinha no lugar sem esforço, pois eu jamais procurara razões ou coisa que o valha para questionar quaisquer fatos que fossem, quaisquer aspectos existentes em mim, nos outros ou à minha volta.
Por um breve momento, pensei em chorar. Mas o que choraria? Minha solidão? Minha inaptidão, meus delírios, minha loucura há tanto conhecida? Qual seria a diferença? O que me faria chorar, de fato?
Apenas pude desistir do café ao olhar pro relógio, antes de sacar a mala e correr aos números que me refugiavam e enganavam por tanto tempo, a ponto de me deixarem esquecer…